As stablecoins voltaram aos holofotes, ainda que de forma discreta. No terceiro trimestre de 2025, o volume de transferências on-chain chegou a impressionantes 15,6 trilhões de dólares, estabelecendo um novo recorde para o setor. Esse número por si só já faz parecer que as stablecoins estão tomando conta dos pagamentos globais. Mas, olhando de perto, o cenário é mais complexo, a maior parte desse movimento não veio de pessoas.
De acordo com dados de análises on-chain, cerca de 71% de todas as transferências de stablecoins foram realizadas por bots e sistemas automatizados de negociação. Os 29% restantes vieram de usuários comuns, contratos inteligentes internos e operações menores em exchanges.
Mesmo assim, o trimestre não foi apenas sobre automação. Também houve um crescimento notável nas transferências de pequeno valor, abaixo de 250 dólares, indicando que cada vez mais pessoas estão usando stablecoins para algo além da especulação.
Automação domina, mas com que custo?
Grande parte da movimentação atual das stablecoins é impulsionada por automação. Bots cuidam de operações de market-making, arbitragem e negociações de alta frequência em diferentes exchanges e blockchains. Eles não param, movimentam bilhões, dia e noite.
O analista Illya Otychenko comentou que “a maior parte do volume vem de negociações algorítmicas, parte disso é liquidez saudável, mas parte é apenas ruído”. Ele acrescentou que os bots podem realizar milhares de transações por dia, inflando o volume total e escondendo o quanto de valor econômico real está sendo trocado.
Cerca de 20% da atividade total veio do que os analistas chamam de “transferências não automatizadas”, operações feitas por usuários comuns e entidades médias. Outros 9% foram chamadas de contratos inteligentes e movimentações internas de exchanges, em que as stablecoins apenas mudam de endereço.
Essa forte automação revela um paradoxo curioso: as stablecoins estão prosperando, mas uma boa parte desse tráfego talvez não represente uma adoção genuína.
A ascensão do usuário comum
Além dos algoritmos, algo mais orgânico está acontecendo. As transferências menores e realizadas por pessoas atingiram níveis recordes. As transações abaixo de 250 dólares dispararam no terceiro trimestre, indicando novas formas de uso das stablecoins.
Muitas dessas transações menores ainda estão ligadas ao mercado, movimentações entre carteiras e exchanges, mas o cenário está mudando. Analistas observam que uma parte crescente está relacionada a remessas, pagamentos internacionais e transferências cotidianas, mostrando que as stablecoins começam a entrar na vida real das pessoas, não apenas nas carteiras de traders.
“Stablecoins estão se transformando, aos poucos, em dólares digitais para mercados emergentes”, disse Otychenko. “As pessoas estão aprendendo a usá-las da mesma forma que usam aplicativos de pagamento ou bancos online.”
Entradas líquidas mostram aumento na demanda
A circulação de stablecoins também cresceu rapidamente. As entradas líquidas, diferença entre tokens emitidos e resgatados, aumentaram em 46 bilhões de dólares no trimestre.
O destaque ficou para:
USDT, com cerca de 20 bilhões em novas emissões;
USDC, com 12 bilhões;
USDe, com 9 bilhões, chamando atenção por seu rápido crescimento.
Esse avanço mostra confiança nos mecanismos de paridade e na demanda crescente por ativos atrelados ao dólar. Para muitos investidores, stablecoins funcionam como refúgio contra a volatilidade das criptomoedas, um local de “estacionamento” entre negociações ou uma forma estável de pagamento global.
Um ponto de virada no mercado de stablecoins
Este trimestre pode ser lembrado como um marco. O volume recorde mostra a força das stablecoins como infraestrutura do mercado cripto, mas levanta uma questão mais profunda: quanto desse ecossistema reflete uso real e quanto é apenas barulho algorítmico?
Se os bots continuarem dominando, os reguladores devem apertar a vigilância. Eles querem saber se as stablecoins realmente funcionam como instrumentos de pagamento ou se são apenas ferramentas especulativas gerando volume sintético. De qualquer forma, a linha entre liquidez de negociação e uso econômico real está ficando cada vez mais tênue.
O avanço também expõe um equilíbrio delicado, entre eficiência e autenticidade. Os sistemas automatizados mantêm o mercado líquido, mas o crescimento sustentável depende da participação e da confiança humana.
Conclusão
O mercado de stablecoins já não é um coadjuvante no mundo cripto. É a espinha dorsal do sistema, movimentando 15,6 trilhões de dólares em apenas três meses. Mas esse número esconde duas realidades paralelas: de um lado, o motor automatizado dos bots; do outro, o crescimento silencioso de usuários reais descobrindo a utilidade dos dólares digitais.
A próxima fase decidirá qual dessas forças moldará o futuro. As stablecoins serão ferramentas das máquinas de trading ou se tornarão os trilhos financeiros do dia a dia global? O terceiro trimestre de 2025 deixou o recado claro: as duas realidades já estão se encontrando.
Perguntas frequentes
Por que os bots são responsáveis pela maior parte das transferências de stablecoins?
Porque automatizam arbitragem, equilíbrio de liquidez e negociações de alta frequência. Eles conseguem executar milhares de transferências por hora, inflando o volume total.
O que são transferências de varejo e por que são importantes?
São transações pequenas, geralmente abaixo de 250 dólares. Mostram que pessoas comuns — e não apenas traders — estão começando a usar stablecoins no dia a dia.
Quais stablecoins lideram o mercado?
O USDT continua sendo o maior, seguido por USDC e pelo USDe, um ativo sintético em rápido crescimento. Juntas, essas três representam a maior parte do volume de transferências.
Os 15,6 trilhões significam adoção em massa?
Não totalmente. A adoção está crescendo, mas grande parte desse número vem de negociações automatizadas e movimentações internas de exchanges, não de uso humano direto.
Glossário de termos principais
Atividade de bots:
Ações de negociação automatizada que executam estratégias de alta frequência ou arbitragem sem intervenção humana.
Transferência de varejo:
Transação de pequeno valor feita por pessoas, geralmente usada para pagamentos, remessas ou transferências entre carteiras.
Entradas líquidas:
Quantidade de stablecoins emitidas após descontar os resgates, refletindo a demanda dos usuários.
Arbitragem:
Estratégia que busca lucrar com pequenas diferenças de preço entre mercados ou exchanges.
Stablecoin sintética (USDe):
Ativo estável não colateralizado que mantém sua paridade com o dólar por meio de mecanismos algorítmicos, e não de reservas.